21 ago Mundo da Escrita (Martin Puchner)
Yuval Harari publicou em 2014 o livro Sapiens: uma breve história da humanidade, que viria a se tornar bestseller e colocar o autor em um intenso processo de midiatização. Enquanto o historiador iraniano explorou o desenvolvimento do ser humano desde seus antepassados até as principais revoluções que o trouxe à contemporaneidade, Martin Puchner percorre parte dessa mesma trajetória sob outra perspectiva: a da literatura.
O movimento diacrônico feito pelo autor em O mundo da escrita revelou obras da literatura marcantes através dos tempos. Não apenas a partir de suas cargas simbólicas, mas como estopins para mudanças sociais e atitudinais. Da ascensão e queda de impérios ao nascimento das crenças religiosas, passando por importantes discussões políticas e filosóficas, o texto é uma notável celebração da escrita e da literatura global. Para o autor, a literatura se tornou “código-fonte” para as culturas, não somente registrando suas histórias, mas também apontando caminhos a serem seguidos pelas pessoas.
Puchner pontua que apenas quando a narrativa – antes desenvolvida somente por meio da tradição oral – cruza com a escrita é que nasce a literatura. É a partir dessa premissa que o livro é organizado; levando em consideração a articulação entre o conteúdo dos escritos com a evolução das tecnologias criativas (o alfabeto, o papel, o códice, a impressão e a internet).
Um indicador que o autor assinala na avaliação da importância de um livro é a necessidade de alguma espécie de autoridade encarregada de interpretá-lo. É o caso de escritos sagrados ou as constituições dos países, por exemplo. Apesar disso, Puchner alerta para aquilo que ele chama de “fundamentalismo textual”, que prega a imutabilidade desses textos. Isso porque o dialogismo da linguagem e as diferentes possibilidades de realização do processo de semiose, isto é, do processo de significação do discurso verbal, revelam que os sentidos de um texto variam de acordo com o espaço e o tempo de sua decodificação.
O autor defende, dessa maneira, que é a partir de uma sólida cultura da interpretação que os leitores serão capazes de formar ideias, valores e culturas próprias a respeito de um texto. A saída para esse fundamentalismo textual é a possibilidade de entender de diferentes maneiras palavras cunhadas há dias, anos ou milênios. “Os textos fundamentais e sagrados são monumentos da cultura humana, nossa herança compartilhada. Mas precisamente por isso devemos permitir que os leitores de cada geração se apropriem desses textos”.
São 16 capítulos que sintetizam a relação de simbiose entre a literatura e as maneiras de ser e agir no mundo. A Ilíada, de Homero, como livro de cabeceira de Alexandre O Grande marca o início de O mundo da escrita e explica a obsessão do imperador em conquistar Tróia no início de sua jornada ao Oriente. O percurso segue com uma análise do texto como alicerce da maior parte das religiões como as conhecemos e passa por histórias clássicas como As mil e uma noites e Dom Quixote. Chega-se enfim no contemporâneo e o complexo Harry Potter que, graças à gênese criativa de J. K. Rowling, possibilitou a criação de uma plataforma de divulgação de um universo que transbordou da literatura e carregou sentido para produtos, serviços e, finalmente, para as pessoas.
Em um diagnóstico desse novo cenário que surge no século XXI, Puchner faz uma reflexão sobre o papel da internet na dinâmica literária. A busca por informação é favorecida, os meios de publicação ampliados e o acesso facilitado. Como resultado, grandes editoras preocupadas com publicações independentes e autores receosos com a profusão de novos nomes no cenário. Porém o cerne da inquietude do autor se concentra na necessidade da produção contínua de textos relevantes. Relevantes para serem lidos, traduzidos, interpretados e assimilados pelas pessoas. A constatação de Marx sobre a realização da produção apenas no consumo se apresenta aqui como verdadeira, de tal maneira que “é a educação, e não a tecnologia, que vai assegurar o futuro da literatura”, e assim, o nosso futuro como sociedade.