28 ago A Salvação do Belo (Byung-Chul Han)
A discussão sobre o Belo não é recente. Na Antiguidade Clássica a beleza da forma era vinculada à moralidade da alma. Se para Platão, o Belo era uma tentativa falha de imitação de um plano ideal, para Aristóteles a Beleza aparecia na elevação das representações da vida e da natureza. Até o século XVIII na história da arte e da filosofia, as reflexões sobre o assunto foram pautadas pelos pensamentos desses dois filósofos, se inclinando ora para as ideias de um, ora para de outro.
A partir disso e sem deixar ao largo as ideias românticas e iluministas sobre o tema, Byung-Chul Han apresenta em “A salvação do belo” uma análise sobre a Beleza na contemporaneidade a partir de suas reflexões dos impactos das lógicas neoliberais na circulação de valores sociais. Como em grande parte do trabalho do autor, o livro é fragmentado em diversos curtos capítulos que trazem questões pontuais dentro da temática da obra. Com caráter ensaístico, o texto é um diálogo entre reflexões de outros teóricos da cultura com manifestações vindas da arte e do mercado.
Assim como em “Topologia da Violência” (Editora Vozes, 2011) e “Sociedade do cansaço” (Editora Vozes, 2010), o excesso de positividade nas relações sociais contemporâneas é tomada como temática transversal à obra. Essa ideia aparece materializada logo nos primeiros tópicos, que trabalha com os aspectos e significados do liso. A beleza hoje, segundo o autor, é lisa. Lisa pois não apresenta resistência, não quebra e exige likes. O liso suprime a distância e convida ao toque. A negatividade, assim, é posta de lado, fazendo desaparecer a surpresa e o maravilhamento. “Sem distância não é possível haver mística. A desmistificação torna tudo fruível e consumível”. Até o feio passa a ser liso e nisso, a alteridade do outro cede espaço para uma diversidade estetizada e homogeneizada.
Han argumenta que o Belo requer distância e tempo, enquanto as interações promovidas pelas redes sociais eliminam ambos. Estímulos imediatos e exaltação bloqueiam esse acesso e “justamente nessa enxurrada de estímulo e excitação, o belo desaparece. Ela não permite uma distância contemplativa do objeto”. Surgem, assim, dois paralelos: a Beleza e o erotismo; o liso e o pornográfico. Enquanto os primeiros demandam demora, alteridade e ocultação, os segundos são pautados pela velocidade, positividade e exposição imediata.
Essa questão se relaciona a outra discussão amplamente midiatizado hoje: a empatia. Se por um lado a sociedade a valoriza nos discursos e nas relações, a Beleza os nega de imediato. A tensão entre esses valores torna-se inevitável, pois enquanto o Belo requer distância, a empatia procura “retirar o invólucro ou ao menos olhar através dele”.
Essa é uma das diversas análises do autor sobre os valores que circulam hoje na sociedade frente à ideia e manifestação do Belo: da subjetividade da cultura à materialidade do corpo. As discussões apontam, ao final, para o que o autor chama de “crise do Belo”. Aderente às ideias do filósofo francês Gilles Lipovetsky em “A estetização do mundo” (Companhia das Letras, 2015), Han enxerga um cotidiano intensamente estetizado, em que a produção de objetos de curtição volátil elimina a experiência do belo como vinculação. “O belo se tornou um objeto liso da curtida, do like, do conforto, do arbitrário, um objeto para qualquer hora”.
Assim como em “Create Dangerously” (Penguin Modern, 2018), Albert Camus diz que a Arte busca a união, Han segue o princípio ao postular a tarefa da arte na promoção da interação com o outro. O autor localiza a salvação do belo no abandono da positividade generalizada da vida contemporânea. A salvação do belo reside na alteridade, no reconhecimento do outro como diferente. “A salvação do belo é a salvação da vinculação”.