12 ago Create Dangerously (Albert Camus)
Se há hoje o entendimento de que a Arte perdeu seu compromisso com o belo desde o final do século XIX, em 1957 Albert Camus já enxergava o ato criativo como ação transformadora, reflexiva e libertária. É na relação com os fatos do mundo concreto que ela é capaz de realizar seu potencial e, segundo o autor, cumprir seu papel dentro da sociedade.
Décimo sétimo volume da coleção Penguin Modern, que condensa uma pluralidade de ideias em debate durante o século XX, o livro traz três discursos proferidos pelo escritor em diferentes ocasiões. A fala que dá nome à obra foi feita na Universidade de Uppsala, na Suécia, e vem acompanhada de outros dois textos menores: “Defence of Intelligence” (Defesa da inteligência) e “Bread and Freedom” (Pão e Liberdade).
Em “Create Dangerously” (Criar Perigosamente), Camus apresenta uma breve reflexão sobre o papel do artista e da obra de arte no contexto em que vivia. Porém, apesar do intervalo de mais de sessenta anos com os dias atuais, suas ideias se mantêm pertinentes e colaboram para entender o contexto de hoje.
Para o autor, “criar hoje é criar perigosamente”. A obra de arte e, consequentemente, seu criador estão submetidos ao incansável júri da opinião popular, do parlapatório às críticas fundamentadas. Porém esse é o papel do artista, Camus argumenta, desafiar, provocar e se manifestar por aqueles que muitas vezes são silenciados. A obra de arte, ao se adaptar ao que a maioria da sociedade deseja, torna-se mero entretenimento, raso e leviano. E é nesse esvaziamento que, retomando Oscar Wilde ainda no século XVIII, a superficialidade aparece como o maior dos vícios humanos.
Nas trinta e quatro páginas de discurso, o escritor discorre sobre a importância da ancoragem da obra de arte na realidade. O simples distanciamento se oculta na pura negação, enquanto a demasiada aproximação se transmuta em conivência. Na criação desse vínculo, “um novo mundo aparece, diferente do mundo cotidiano, mas ainda assim o mesmo, particular porém universal”.
No Brasil contemporâneo, uma sequência de produções vem causando incômodo e dando forma ao papel desafiador que Camus apresenta em sua obra. Do polêmico Queermuseu em Porto Alegre à sucessão de obras que contestam a iconografia da Igreja Católica, passando por filmes como Boy Erased (2018), que teve a estreia cancelada no país, a Arte vem provocando uma diversidade de reações. Da crítica à defesa, com origens que variam da sociedade às suas instituições – governamentais e mercadológicas.
Ao se tomar potência como aquilo que contém a possibilidade de vir a ser, são nesses exemplos que se materializam as ideias do escritor sobre a livre essência da Arte e sua potência de unificação; características que se opõem à tirania, com uma natureza que tende à separação. E são nessas reiteradas manifestações de boicote, na complexidade dos extremismos sociais e nas tensões do cotidiano que se pode atualizar a afirmação: “não é surpresa que a arte deva ser inimiga marcada por qualquer forma de opressão”.